Pancadão na vizinhança. Para reclamar não precisa chamar o síndico
Vizinhos... todos os temos. Alguns são ótimos, mas outros, vamos encarar a realidade, são horríveis.
Novidade alguma e, para que não digam que o foco destas notas esteja nas músicas e nos músicos, nada como lembrar de uma banda barulhenta (no ótimo sentido), os Rolling Stones (que, eu acho, seria ótimo ouvi-los tocando no terreno ao lado de casa) e seu Neighbours.
O rock de Keith Richards e Mick Jagger depois de perguntar: have I got neighbors? E responder: All day and all night (tenho vizinhos? Todo o dia e toda a noite... em tradução livre) continua (sempre traduzindo livremente): senhoras, são loucos? Bebezinhos gritando, sem espaço e sem silêncio, TV, saxofone tocando, gemendo e fazendo pressão, com problemas e conflitos....
Enfim, vizinhos são para sempre e podem ser perturbadores, seja você quem for, seja onde for. O que fazer? Se estivéssemos tratando de situação dentro do condomínio edilício, as soluções estariam à mão, são conhecidas. Mas na nossa hipótese, o perturbador não é condômino, ele ocupa imóvel ao lado do Condomínio, ou próximo a ele.
Pois bem. O Código Civil regula muito bem o direito de vizinhança e, com ênfase, proíbe as interferências ou perturbações, levando em conta a natureza da utilização, as normas urbanísticas que disciplinam o zoneamento na cidade, a região (residencial, industrial, por exemplo) em que está localizado o prédio e, isto é importante na maioria das reclamações, os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.
Vale perceber que o mundo se sofisticou ou complicou, e por isso essas regras, localizadas no artigo 1.277 do Código Civil de 2.002, não eram tão minuciosas no Código de 1.916, como o são atualmente.
No âmbito administrativo, as Prefeituras crescentemente editaram normas limitando o volume e os horários em que é admitido fazer barulho. Se qualquer dessas normas for violada, a Prefeitura deverá atuar, o que deverá fazer multando o infrator e lacrando o imóvel gerador da perturbação, conforme o caso concreto.
Já no âmbito do Direito Penal poderá ser lembrada a tipificação do artigo 42 do Decreto-Lei nº 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais), sendo passível o infrator de prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa. E, relevante recordar, a prática pode caracterizar dano ambiental, conforme a Lei nº 9.605, de 12/02/1998, que trata da poluição de qualquer natureza (inclusive a poluição sonora) em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana (Pena prevista no artigo 54: reclusão, de um a quatro anos, e multa).
Vamos lá: barulhos dentro dos limites comuns de tolerância, são permitidos, é o caso de crianças brincando no playground, dos ruídos usuais de casas (cozinhas funcionando e algumas panelas batendo, conversas em tom normal), comemorações de vez em quando, uma ou outra aglomeração para assistir evento esportivo, religioso ou cultural.
Isso, afinal, é viver em sociedade, ser um tantinho incomodado faz parte e a alternativa será uma, somente: mudar para uma chácara distante (dirão os céticos: e trocar barulho de bola batendo às nove da manhã, por pássaros grasnando e piando às cinco...).
Porém, festas contínuas com barulho exacerbado, são proibidas (e às vezes, sequer é necessário realizar perícia, pois os testemunhos da vizinhança são suficientes para que o Judiciário proíba a prática). É o caso dos pancadões, daqueles intermináveis churrascos com pagode desde às dez da manhã de todos os sábados (piorados pelos urros de um ou outro alcoolizado e dizer que os Stones reclamavam de gemidos...). Atividades ruidosas de qualquer natureza (assim como aquelas que causem odores excessivos ou abalem a segurança), não poderão ocorrer.
Lembremos: a atividade ruidosa com caráter mercantil será proibida por mais de uma razão: por incomodar e, também, por ser exercida em local indevido. É o caso de algumas baladas em zonas residenciais de praias, raves em mansões de bairros residenciais, de muitos dos famosos fluxos, risca facas, bailes funk, e por aí vai.
Por fim, aspecto prático e importante: não é preciso que o Condomínio, representado pelo seu Sindico, tome a iniciativa de agir contra o mau vizinho do prédio. Esse direito é de qualquer vizinho, qualquer condômino (queira ou não o Condomínio) e mais: é dirigido não somente contra o dono do imóvel gerador do incômodo, mas também ao seu ocupante, a qualquer título (comodatário, locatário, até invasor).
E a explicação é simples: se você, na qualidade de vizinho, está sendo perturbado, tem absoluto direito de reclamar a cessação da perturbação: sim, é direito seu. sim.
Ou seja, se você estiver sendo incomodado, poderá encontrar algum conforto na Lei e não precisará chamar o Síndico (falando de música... é o que cantou Jorge Ben Jor), poderá chamar a Polícia, o serviço especializado da Prefeitura local ou acionar judicialmente.
Jaques Bushatsky é advogado em São Paulo.
Obs.: artigo originalmente publicado no Sindiconet.